quinta-feira, 18 de junho de 2020

Cameron Crowe: Vivendo e Aprendendo


Quando descobre que está em um sonho  cuja realidade foi escolhida de acordo com suas preferências e necessidades, David Ames Jr. (Tom Cruise) percebe que seu psiquiatra McCabe (Kurt Russel) é a representação de Atticus Finch (Gregory Peck). Finch de acordo com os anseios de David é representação ideal da figura paterna: amoroso e íntegro. Logo depois quando resolve abandonar o sonho e voltar à realidade, David se vê envolto da iconografia de sua vida e lá está Atticus novamente. No meio de tantas imagens também está a lendária banda de rock The Who em um de seus momentos mais memoráveis: o longo grito do “yeah” do vocalista Roger Daltrey enquanto o guitarrista Pete Townshend salta energicamente com seu instrumento durante a performance da canção “Won’t Get Fooled Again”.



A professora universitária Elaine Miller (Frances McDormand) se orgulha da inteligência de seu filho Willian (Michael Angarano) de apenas 11 anos e debate com ele as implicações dos aspectos mais importantes do filme “O Sol é Para Todos” (To Kill a Mockingbird, 1962) e almeja que seu rebento siga a carreira de advogado assim como o protagonista da obra: Atticus Finch.  Algum tempo depois Anita (Zooey Deschanel), a irmã mais velha de William, completa 18 anos e decide sair de casa para escapar do controle de sua mãe e “viver a vida”. Ao se despedir do irmão Anita pede que ele olhe embaixo de sua cama pois o que tem ali irá libertá-lo. O que o garotinho encontra são discos de vinil de clássicos do rock’n’roll e, entre eles, está "Tommy" de 1969 da banda The Who. Enquanto admira as imagens do disco, o garoto nota que um bilhete de Anita cai no chão: “Ouça Tommy com uma vela acesa e você verá todo o seu futuro”. É neste momento que ele coloca o disco pra tocar e a faixa “Sparks” faz a perfeita transição temporal  mostrando Willian (agora com 15 anos em 1973 e interpretado por Patrick Fugit) como um aficcionado por rock e aspirante a jornalista escrevendo textos sobre o ritmo musical que tanto gosta. 



Através do contato com o crítico musical Lester Bangs (Philip Seymour Hoffman), por meio de seus trabalhos para uma revista local e uma série fortuita de acontecimentos Willian consegue a oportunidade de acompanhar a turnê da banda Stillwater para escrever uma matéria para a prestigiada revista Rolling Stone. Essa viagem fará com que ele embarque no universo que tanto gosta e irá lhe proporcionar, além do crescimento profissional precoce, uma jornada pessoal de descobertas típicas da adolescência.
O primeiro parágrafo relata os minutos finais do filme “Vanilla Sky” (Idem, 2001) enquanto o segundo e o terceiro relatam o mote do filme “Quase Famosos” (Almost Famous, 2000). O que estas duas obras cinematográficas tem em comum é o fato de terem sido dirigidas pelo cineasta Cameron Crowe e o que me chamou a atenção foram as claras manifestações de apreço do cineasta pelo filme “O Sol é Para Todos” e também pelo rock’n’roll e, neste caso específico, pela banda The Who. Mesmo que a sequência deste texto não respeite a cronologia do lançamento dos filmes, os relatos se encontram na ordem em que eu os assisti e somente ha alguns dias percebi a importância (mesmo que antes já admirasse muito seu trabalho) da obra de Crowe em minha vida. Apaixonado por rock, Crowe fez carreira como jornalista na revista Rolling Stone  e os eventos narrados em “Quase Famosos” são baseados em sua juventude quando teve a chance de acompanhar algumas das bandas que mais gostava. A relação de Crowe com o rock é tão próxima que durante o período de 1986 a 2010 ele foi casado com Nancy Wilson membro da banda Heart, além disso, até hoje sua filmografia conta com documentários e / ou personagens ligados ao rock.


Nos últimos anos, o The Who passou a ser a minha banda favorita e analisando cuidadosamente minhas memórias cheguei a conclusão que a origem desse  fascínio foi  o filme de Crowe ao me instigar pelo sugerido teor místico de Tommy e pelo poder sonoro de Sparks. Foi através da exploração dos trabalhos da banda que a imagem vista por David Ames, até então de origem desconhecida pra mim,  foi enfim decifrada. Em uma época em que o racismo é tão combatido é interessante lembrar da importância de Atticus Finch quando ele resolve defender a todo custo um homem negro injustamente acusado de assassinato pois é o que o personagem acredita que seja o certo a se fazer mostrando desta forma o poder do cinema ao comunicar temas importantes e delicados. Por mais que sejam coisas diferentes Crowe consegue em seus trabalhos levar para o público temas relevantes através de sua arte e esse é o principal ponto deste texto: mostrar como a arte reflete a sociedade e como ela pode influenciar nossa vida de maneira profunda.
Os sentimentos que as letras do The Who me trouxeram, e ainda trazem, com o passar dos anos foram determinantes para decisões e pensamentos importantes; os príncipios de Atticus são exemplares tanto no campo pessoal quanto profissional e Crowe comunica sua essência nestas obras e o fato dessa essência perdurar (para mim e pra quem consegue apreciar) é o que mais me encanta pois creio que atualmente a frivolidade tirou a voz de verdadeiros artistas em detrimento de falta de conceitos que podem agregar conhecimento, pobreza artística e influência comportamental questionável.
Alinhado com o trabalho de Crowe por me considerar um cinéfilo desde a adolescência e fã assumido de rock’n’roll devido a sua riqueza tematica e diversidade de estilos, me pergunto se somos admiradores do cinema que gostam de rock ou rockeiros que curtem cinema. A resposta não é importante pois neste caso o que realmente importa é como nos relacionamos com a arte e como deixamos ela nos influenciar e definir sempre através de  contemplação, reflexão e também, por que não, diversão.


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