Ele nos traz todo tipo de sentimentos: alegria, tristeza, saudade, arrependimento entre tantos outros e a verdade é que, indubitavelmente, o passado ajuda a definir quem nós somos. Podemos ignorá-lo ou também recorrer a ele somente quando é conveniente mas também podemos sucumbir às suas moléstias e ficarmos presos em nossos atos de outrora em detrimento de nosso presente e de nosso futuro e este é o tema central do filme “Os Imperdoáveis” (Unforgiven, 1992) dirigido e protagonizado por Clint Eastwood.
A obra tem início no ano de 1878 onde vemos a sombra de um homem cavando uma sepultura, o letreiro que acompanha a cena nos faz entender que se trata do pistoleiro aposentado Will Munny (Eastwood) enterrando sua esposa Claudia e que este casamento gerou grande angústia na mãe da falecida devido ao histórico de violência do genro. Dois anos depois, na cidade de Big Whiskey, a prostituta Delilah (Anna Thomson) é atacada e tem seu rosto retalhado. O dono do estabelecimento Skinny (Anthony James) e o xerife Little Bill (Gene Hackman) chegam a um acordo com os agressores que consiste somente no pagamento de uma multa. Inconformada com a impunidade e compadecida pelo sofrimento da colega, Alice (Frances Fisher) se reúne com todas as garotas do prostíbulo para juntar a quantia de mil dólares e oferecer o dinheiro como recompensa para quem matar os homens que participaram da ação contra Delilah.
A
notícia da recompensa se espalha e Schofield Kid (Jaimz Woolvett), sobrinho de
um antigo colaborador de Munny, recruta o veterano e também Ned Logan (Morgan
Freeman), antigo comparsa e amigo de Will, para a empreitada. Relutante e sem
estar física ou emocionalmente preparado para mais uma matança o protagonista
aceita devido a suas dificuldades financeiras agora que se tornou um fazendeiro
e pai viúvo de duas crianças. O que os caçadores de recompensa não sabem é que,
no intuito de proteger sua cidade, o xerife Little Bill irá tratar com extrema
violência os forasteiros que buscam os mil dólares.
A
direção de Eastwood é impecável e todos os elementos cinematográficos desse
filme demonstram esmero e dedicação: desde as atuações, passando pela bela
fotografia que ressalta os elementos sombrios dos personagens e nos mostra
belas paisagens e também a música que transmite toda a melancolia que permeia a
obra. Mas, sem dúvida, o destaque vai para o roteiro de David Webb Peoples que
faz do filme mais do que uma simples história de caça e vingança já que em sua
essência “Os Imperdoáveis” é um estudo sobre o passado não apenas de um homem
mas também de um gênero cinematográfico do qual Eastwood foi um expoente nas
décadas de 60 e 70. Já velho Will
enfrenta dificuldades para subir em seu cavalo, não se gaba dos assassinatos
que cometeu (nem ao menos gosta de tocar no assunto) e adoecido depois de tomar
chuva fica vulnerável e a mercê da truculência de Little Bill. O que também
desperta interesse pelo personagem é sua grande devoção a sua falecida esposa
pois, quando rejeita a compania de outras mulheres ele fala como se Claudia
ainda fosse viva e sempre que pode enaltece o papel fundamental dela em sua
mudança de vida.
Não apenas a
velhice da figura do cowboy é retratada mas também a maneira como as histórias
se disseminavam naquele contexto: homens que se vangloriavam de coisas que não
tinham feito ou que haviam feito por sorte e não competência e até mesmo a
omissão de fatos para evitar repercussão
indesejada. Outros dois elementos utilizados pelo roteiro para enriquecer não
apenas a jornada de Will mas também a narrativa são o merecimento e a chuva. A
caminho de Big Whiskey Will lembra Ned de um homem que matou no passado e
questiona o amigo se aquele cowboy merecia ter morrido. Já no ato final do
filme e sedento por vingança o velho pistoleiro ouve de um homem prestes a
morrer que ele não merece aquele destino e ouve como resposta de Will que
“Merecer não tem nada a ver com isso”. Passado em uma noite de tempestade e ao
som de trovões é neste ato final do filme que vislumbramos o Will Munny de quem
até aquele momento só ouvíamos as histórias. Surgindo como um emissário da
morte ele se torna o algoz dos que atravessaram seu caminho e amedronta toda
uma cidade com a veemência de suas ameaças.
A maneira como
todos esses elementos são apresentados e se conectam mostram que a natureza
brutal de Munny esteve adormecida mas não era inexistente por mais que ele
vivesse em família e sem cometer crimes. Sem final feliz com o cowboy
cavalgando em direção ao pôr do sol, “Os Imperdoáveis” desmistifica toda a
glória dos heróis do velho oeste ao humanizar os personagens. Neste filme a
morte não é rápida e indolor: é lenta, dolorosa e totalmente desprovida de honra
ou glória como nos filmes que consolidaram o gênero décadas antes.
Completando 30 anos em 2022, o filme entrou para a história do cinema não apenas pelo seu teor analítico das obras Faroeste mas também por nos apresentar a história de um homem que assim como todos nós cometeu erros no passado e não se perdoa por esses erros pois mesmo diante de tanto sofrimento que causou recebeu uma segunda chance quando foi agraciado e redimido por um amor do qual não se achava merecedor. Uma curiosidade que torna o filme mais marcante é que Eastwood tinha o roteiro guardado por anos e esperou ter a idade certa para dar vida a Will Munny e também ganhou experiência como realizador até que o momento chegasse. Saber o momento certo de realizar “Os Imperdoáveis” mostra que o diretor empregou em seu filme todo seu talento adquirido ao longo dos anos que se dedicou ao cinema.
Sendo uma bela
reflexão sobre envelhecimento, arrependimento e como nos colocamos perante as
pessoas levando em conta nossos atos pretéritos a maior questão que o filme de
Eastwood nos deixa é se com o tempo é possível que as pessoas mudem ou se
apenas deixam de lado velhos hábitos em busca de aceitação ou da esperança de
felicidade. Como dito no começo do texto, existem aqueles que convivem bem com
o passado e existem aqueles que o veem como “imperdoável”, cabe a cada um de
nós decidir em qual desses grupos se enquadrar.
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