Quando
descobre que está em um sonho cuja
realidade foi escolhida de acordo com suas preferências e necessidades, David
Ames Jr. (Tom Cruise) percebe que seu psiquiatra McCabe (Kurt Russel) é a
representação de Atticus Finch (Gregory Peck). Finch de acordo com os anseios
de David é representação ideal da figura paterna: amoroso e íntegro. Logo
depois quando resolve abandonar o sonho e voltar à realidade, David se vê
envolto da iconografia de sua vida e lá está Atticus novamente. No meio de
tantas imagens também está a lendária banda de rock The Who em um de seus
momentos mais memoráveis: o longo grito do “yeah” do vocalista Roger Daltrey
enquanto o guitarrista Pete Townshend salta energicamente com seu instrumento
durante a performance da canção “Won’t Get Fooled Again”.
A professora
universitária Elaine Miller (Frances McDormand) se orgulha da inteligência de
seu filho Willian (Michael Angarano) de apenas 11 anos e debate com ele as implicações
dos aspectos mais importantes do filme “O Sol é Para Todos” (To Kill a
Mockingbird, 1962) e almeja que seu rebento siga a carreira de advogado
assim como o protagonista da obra: Atticus Finch. Algum tempo depois Anita (Zooey Deschanel), a
irmã mais velha de William, completa 18 anos e decide sair de casa para escapar
do controle de sua mãe e “viver a vida”. Ao se despedir do irmão Anita pede que
ele olhe embaixo de sua cama pois o que tem ali irá libertá-lo. O que o
garotinho encontra são discos de vinil de clássicos do rock’n’roll e, entre eles, está "Tommy" de 1969 da banda The Who. Enquanto admira as imagens do disco, o
garoto nota que um bilhete de Anita cai no chão: “Ouça Tommy com uma vela acesa
e você verá todo o seu futuro”. É neste momento que ele coloca o disco pra
tocar e a faixa “Sparks” faz a perfeita transição temporal mostrando Willian (agora com 15 anos em 1973 e
interpretado por Patrick Fugit) como um aficcionado por rock e aspirante a
jornalista escrevendo textos sobre o ritmo musical que tanto gosta.
Através do
contato com o crítico musical Lester Bangs (Philip Seymour Hoffman), por meio de
seus trabalhos para uma revista local e uma série fortuita de acontecimentos
Willian consegue a oportunidade de acompanhar a turnê da banda Stillwater para
escrever uma matéria para a prestigiada revista Rolling Stone. Essa viagem fará com que ele
embarque no universo que tanto gosta e irá lhe proporcionar, além do
crescimento profissional precoce, uma jornada pessoal de descobertas típicas da
adolescência.
O primeiro
parágrafo relata os minutos finais do filme “Vanilla Sky” (Idem, 2001) enquanto
o segundo e o terceiro relatam o mote do filme “Quase Famosos” (Almost Famous, 2000). O que
estas duas obras cinematográficas tem em comum é o fato de terem sido dirigidas
pelo cineasta Cameron Crowe e o que me chamou a atenção foram as claras manifestações
de apreço do cineasta pelo filme “O Sol é Para Todos” e também pelo rock’n’roll
e, neste caso específico, pela banda The Who. Mesmo que a sequência deste texto
não respeite a cronologia do lançamento dos filmes, os relatos se encontram na ordem
em que eu os assisti e somente ha alguns dias percebi a importância (mesmo que
antes já admirasse muito seu trabalho) da obra de Crowe em minha vida. Apaixonado
por rock, Crowe fez carreira como jornalista na revista Rolling Stone e os eventos narrados em “Quase Famosos” são
baseados em sua juventude quando teve a chance de acompanhar algumas das bandas
que mais gostava. A relação de Crowe com o rock é tão próxima que durante o
período de 1986 a 2010 ele foi casado com Nancy Wilson membro da banda Heart,
além disso, até hoje sua filmografia conta com documentários e / ou personagens
ligados ao rock.
Nos últimos
anos, o The Who passou a ser a minha banda favorita e analisando cuidadosamente
minhas memórias cheguei a conclusão que a origem desse fascínio foi o filme de Crowe ao me instigar pelo sugerido
teor místico de Tommy e pelo poder sonoro de Sparks. Foi através da exploração
dos trabalhos da banda que a imagem vista por David Ames, até então de origem
desconhecida pra mim, foi enfim decifrada.
Em uma época em que o racismo é tão combatido é interessante lembrar da
importância de Atticus Finch quando ele resolve defender a todo custo um homem
negro injustamente acusado de assassinato pois é o que o personagem acredita que
seja o certo a se fazer mostrando desta forma o poder do cinema ao comunicar temas importantes e delicados. Por mais que sejam coisas diferentes
Crowe consegue em seus trabalhos levar para o público temas relevantes através de
sua arte e esse é o principal ponto deste texto: mostrar como a arte reflete a
sociedade e como ela pode influenciar nossa vida de maneira profunda.
Os sentimentos
que as letras do The Who me trouxeram, e ainda trazem, com o passar dos anos foram
determinantes para decisões e pensamentos importantes; os príncipios de Atticus
são exemplares tanto no campo pessoal quanto profissional e Crowe comunica sua
essência nestas obras e o fato dessa essência perdurar (para mim e pra quem
consegue apreciar) é o que mais me encanta pois creio que atualmente a
frivolidade tirou a voz de verdadeiros artistas em detrimento de falta de
conceitos que podem agregar conhecimento, pobreza artística e influência
comportamental questionável.
Alinhado com o
trabalho de Crowe por me considerar um cinéfilo desde a adolescência e fã
assumido de rock’n’roll devido a sua riqueza tematica e diversidade de estilos,
me pergunto se somos admiradores do cinema que gostam de rock ou rockeiros que
curtem cinema. A resposta não é importante pois neste caso o que realmente
importa é como nos relacionamos com a arte e como deixamos ela nos influenciar
e definir sempre através de contemplação, reflexão e também, por que não, diversão.